Para além de entregas e promessas

dezembro 30, 2023 /

 

*Vicente Loureiro

 

No próximo ano, teremos eleições municipais. Será, portanto, um ano de algumas entregas e promessas renovadas nas cidades brasileiras. O calendário eleitoral costuma acelerar a conclusão de obras e a promoção de melhorias nos serviços públicos essenciais, reclamados pela população. É também tempo de velhas e novas propostas tomarem conta das campanhas, fazendo com que todos olhem para o futuro com um pouco mais de esperança, embora nem sempre os candidatos mereçam lá muito crédito.

Assim ocorre a cada 4 anos: os que estão no governo fazem de tudo para mostrar o que fizeram e o que ainda podem fazer se receberem mais um voto de confiança. Os da oposição, ao contrário, procuram mostrar o que ainda está por fazer ou o que vem sendo mal feito. O resultado dessa saudável disputa faz as cidades de certa forma progredirem. As ruas ganham aquele banho de asfalto, as praças recebem um retoque aqui ou ali, escolas e postos de saúde novos são inaugurados, enquanto os existentes, às vezes, recebem um ou outro mimo. Nada muito além disso costuma compor o portfólio das entregas, fora as devidas exceções de praxe.

Às vezes, ocorrem investimentos estruturantes realizados parcial ou integralmente durante o exercício de um mandato. Também percebem-se avanços na gestão da saúde, da educação, dos transportes, da limpeza pública, entre outros. E são bem-vindos, pois, de um modo geral, fazem subir a régua da qualidade de vida, mesmo que seja de uma pequena parcela da população, pois na maioria das vezes, infelizmente, o foco de tais ações não se dirige aos mais necessitados.

As cidades brasileiras, principalmente as médias e grandes, nessa trajetória de desenvolvimento posta à prova a cada 4 anos, têm deixado um rastro de passivos urbanísticos, sociais e ambientais. A forma como se reproduzem tem se dado mais na precariedade e de modo informal do que dentro de condições mínimas para um viver urbano digno e acessível a todos. As entregas, catapultadas pelas eleições, minimizam aqui e ali as sequelas, mas não têm tido o condão de estancar processo tão desigual na distribuição de bens e serviços de interesse público. Uma lástima.

Seria bom se pudéssemos, nesses anos de entregas e promessas, avaliar se as cidades prosperaram no rumo planejado, se conseguiram reduzir de fato as desigualdades socioespaciais, se os serviços ofertados à população ficaram mais acessíveis e melhores e se os indicadores capazes de medir as condições objetivas de vida apresentaram avanços concretos. Enfim, se o governo que termina em 2024 deixa a cidade melhor do que quando começou. Nos tempos atuais, é provável que fake news dificultem ainda mais as tentativas de aferição precisas e confiáveis do desempenho dos governos locais. Oxalá esteja equivocada tal previsão.

Vivam as eleições! Pois elas trazem consigo a oportunidade de se escolher possíveis soluções para os desafios mais urgentes das cidades, O que parece indispensável é aproveitar o alcance das redes sociais para disseminar boas e fidedignas informações sobre as entregas dos governos em fase final de mandato e outras que permitam conferir o quão realizáveis serão as promessas daqueles que desejam governá-las a partir de 2025. Na Era da Informação, não é sonhar alto crer no papel transformador de cada uma delas no modo de fazer cidades melhores e mais justas.

 

*Vicente Loureiro, urbanista e arquiteto, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade.