Fome e solidariedade

fevereiro 25, 2023 /

 

*Dom Gílson Andrade

 

 

A Campanha da Fraternidade a cada ano quer nos ajudar a sintonizar nossa missão com os grandes desafios sociais, que são também apelos à caridade cristã. Este ano a fraternidade é chamada a dar respostas diante do escândalo da fome.

O Papa Francisco afirmou que “a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha.” (Mensagem para os 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, 16/10/2020). Houvesse apenas uma pessoa no mundo que estivesse abandonada à sua própria sorte, passando fome, isso bastaria para que a humanidade inteira se sentisse envergonhada, e no entanto, são milhões os que enfrentam essa dura realidade.

A Campanha da Fraternidade é já, de alguma forma, uma das tantas respostas que, a partir da nossa fé, damos a este fato vergonhoso. Na verdade, procuramos sempre ter atenção particular para com os nossos irmãos e irmãs que passam necessidades. Uma prova disso são as inúmeras iniciativas que se procuram organizar nas paróquias, nos movimentos, pastorais e novas comunidades. Há uma mobilização contínua que tende a gerar solidariedade, provocando a partilha do pouco que cada pessoa tem para socorrer os que nada têm. Embora essas iniciativas não possam deixar de existir, elas sozinhas não bastam. Precisamos ir além. Como cristãos somos chamados a colocar na sociedade o bom fermento do Evangelho que é capaz de tocar o coração humano, gerando a conversão. Lembro-me de ter ouvido do Papa João Paulo II que a fome no mundo só seria resolvida com uma cultura da solidariedade.

Quando, no deserto, Jesus enfrentou a necessidade das pessoas que não tinham o que comer, porque há dias estavam acompanhando-o deserto adentro, Ele provocou os seus discípulos a irem além de suas possibilidades: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16). Diante de sua insuficiência os discípulos entenderam que algo poderiam fazer, mas que Deus ofereceria a contribuição maior. O milagre aconteceria, na multiplicação dos pães, mas teria o seu início na Palavra de Jesus e no gesto de partilha daquele menino que ofereceu cinco pães e dois peixes (cf. Jo 6, 9).

É verdade que nem tudo podemos fazer. Há coisas que dependem de estruturas maiores. Por isso, a Campanha da Fraternidade pretende sempre extrapolar os muros de nossas Igrejas. Devemos nos empenhar para provocar positivamente as pessoas de boa vontade e aqueles que detém a capacidade de decisões importantes na sociedade para que se sensibilizem diante da miséria humana e deem prioridade a esta pauta social.

É muito conveniente que a Campanha se celebre não apenas nos nossos recintos, mas que possa chegar também a muitos setores da vida social. Por exemplo, nos nossos municípios se realizem sessões nas Câmaras Municipais, nas escolas se ofereçam subsídios para a reflexão, nas famílias se realizem encontros, nos diversos grupos também. O desafio da fome só pode ser enfrentado por muitas mãos que se estendem.

Jesus no Evangelho se identifica com o faminto. Diz que no dia do Juízo final, entre os que entrarão a fazer parte do Reino eterno, estão os que lhe deram de comer: “tive fome e me destes de comer” (Mt 25, 35). Para um cristão, um irmão faminto é um apelo a saciar a fome de Cristo. A fome de pão nunca vem sozinha, é também fome de amor, de dignidade, de solidariedade. A verdadeira caridade tem a Deus como origem e fonte. Ama-se o próximo porque dessa forma muito concreta se ama a Deus.

A conversão quaresmal é sempre um redirecionamento da vida para Deus. Rever nossas atitudes nos faz sempre tomar consciência nova de que o encontro com Deus renova o encontro com o próximo. Que a Campanha seja estímulo para uma quaresma mais comprometida com a conversão.

 

*Dom Gilson é carioca, nascido no Méier e criado em Mendes no sul fluminense. Fez parte do clero de Petrópolis, estudou em Roma e foi bispo auxiliar de Salvador (BA). Nomeado pelo Papa Francisco em 27 de junho de 2018, tornou-se o 6º bispo da Diocese de Nova Iguaçu.