Havia também aqueles que acreditavam no poder da própria natureza em produzir a cura espontânea das doenças. A gripe ressuscitara em alguns círculos médicos e intelectuais a antiga teoria dos miasmas há muito sepultada com as descobertas e os estudos de Louis Pasteur, responsável pelo desenvolvimento da bacteriologia. Em 1918, muita gente ainda não tinha abandonado de vez essa teoria inspirada em um clássico de Hipócrates , ” Sobre os Ares, as Águas e os Lugares “. Ela dizia existir íntima relação entre as patologias e os locais em que se desenvolviam. O cheiro dos cadáveres, espalhados pelas ruas, fortalecia a tese de que odores venenosos e os cheiros fétidos de pântanos, provenientes de matéria orgânica em decomposição, eram os responsáveis pela maioria das doenças. Algumas técnicas usadas no final do século XIX pelos defensores dessa concepção higienista foram reativadas no Rio para combater o surto da gripe. A limpeza de locais públicos passou a ser realizada com a aspersão de enxofre e vinagre. Não foram entretanto usadas grandes quantidades de perfume no interior das casas, como no passado, quando os doentes eram obrigados a respirar essências de diferentes aromas para combater os miasmas. Adotou-se a técnica de isolar os enfermos da gripe dos outros pacientes.
No Rio, eles foram levados para o Hospital São Sebastião, no Cajú, onde também ficavam confinados os portadores de febre amarela. Mas não havia leitos para tantos doentes. As autoridades sanitárias determinaram um conjunto de medida profiláticas para estancar a expansão da gripe batizada de ” limpa-velhos ” que causava maior número de óbitos entre pessoas idosas. Teatros e cinematógrafos estavam proibidos de funcionar, jogos de futebol foram suspensos, bares e bilhares, bancos, e o comércio, ficaram vazios seja por falta de funcionários ou de clientes. Sem conhecerem a etiologia da doença, os médicos empenhavam-se apenas em tentar atenuar os sintomas e rezar para que ocorresse um milagre.
Como os óbitos aumentavam a cada dia, espalhou-se deplorável boato que envolvia a Santa Casa da Misericórdia e os poucos hospitais públicos existentes. Para abrir novos leitos, os médicos estariam acelerando a morte de doentes terminais servindo aos enfermos chás envenenados. Aqueles que o tomavam por volta das 23h amanheciam mortos. Nascia a lenda do famoso ” chá da meia-
noite” que tanto revoltou a população carioca.
Mas como foi que a”influenzae espanhola”apareceu? Não foi difícil saber como ela deu o ar da sua graça no Brasil . A gripe chegou em 21 de setembro através do porto do Recife a bordo do navio-correio inglês Demerara, vindo de Liverpool, com escala em Lisboa. Além dos 72 passageiros contaminados, desembarcados na capital pernambucana, já trazia duas mulheres mortas durante a viagem. Dias depois, ” o navio da morte” seguia para Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, espalhando o vírus pelas principais cidades do litoral brasileiro, as mais atingidas pela peste. A última parada foi Buenos Aires, onde o Demerara ficou ancorado durante dois meses , porque toda a sua tripulação havia adoecido.
Presidente Rodrigues Alves