Conversão e fraternidade

fevereiro 15, 2024 /

 

Dom Gílson Andrade

 

 

Todos os anos somos convidados a viver, como cristãos, a Quaresma como oportunidade de renovação pessoal através das práticas próprias desse tempo: a oração, a penitência e a caridade. Todas elas cooperam para fazer crescer em nós a novidade do nosso Batismo, ou seja, a nossa identificação com Cristo. No horizonte da vida do cristão está sempre o projeto de Deus para a humanidade que é seu Filho Jesus.

A Igreja no Brasil, através da Campanha da Fraternidade, nos oferece a oportunidade de juntos, como irmãos, assumirmos algum desafio para que a caridade cristã dê a sua contribuição tanto na vida pessoal quanto social. A caridade é dom de Deus que transforma o coração e, portanto, também a sociedade. A partir de dentro acontece aquela boa revolução que coloca Deus no centro e, portanto, devolve dignidade à pessoa humana.

Não tenhamos ilusão: não bastam boa vontade e meras determinações para que aconteça um mundo novo. Este é fruto da ação de Deus que faz a sua parte, mas não quer fazer tudo sozinho. Ele deseja a nossa cooperação. Graça e liberdade humana trabalham juntas.

Este ano somos convidados a promover a fraternidade entre nós através da amizade social, lembrando-nos aquelas palavras comprometedoras do Senhor: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mt 23, 8). Com esta temática a Campanha da Fraternidade nos sugere um empenho concreto na caridade que a Quaresma nos convida a aprofundar. Tema oportuno diante de um mundo cada vez mais dividido dentro das relações tantos familiares quanto nas demais relações sociais.

O que é a amizade social? Esta é certamente uma primeira pergunta que nos deve ocupar. Falar de amizade é trazer à tona um sentimento comum e belo no âmbito das relações humanas que nasce da oferta livre e desinteressada de si mesmo e nos leva ao encontro do mistério do outro, acolhendo-o como ele é. Santo Tomás destaca que ela é necessária para o bem viver na sociedade.

Pois bem, mas e a amizade social em que consiste? Em palavras do Papa Francisco ela é “amor que ultrapassa as barreiras geográficas e do espaço”, “uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente de sua proximidade física” (Enc. Fratelli Tutti, n. 1), um amor “desejoso de abraçar a todos” (FT, n. 3). A amizade social é “a capacidade diária de alargar o meu círculo, chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo de interesses, embora se encontrem perto de mim” (FT, n. 97)

Como contribuir para crescer nessa amizade? São muitas as atitudes que fazem crescer em nós esta amizade. A forma mais privilegiada, sem dúvida, é o diálogo no esforço para alargar aqueles círculos onde ele favoreça a aproximação do outro na acolhida do seu mistério. O texto-base da Campanha oferece na parte do Agir muito boas indicações para crescermos nesta cultura da proximidade e do encontro. Faz-se o convite a que reajamos sempre como o bom samaritano do Evangelho que viu, sentiu compaixão e cuidou. Mas como as coisas não dependem só do nosso esforço pessoal e comunitário, lembra-se a importância de cultivar a oração e prática do sacramento da penitência juntamente com uma espiritualidade da comunhão para que nos tornemos capazes de contribuir para a desejada sociedade mais fraterna. Daí a oportunidade de que a Campanha da Fraternidade aconteça durante o tempo da Quaresma. É pela graça de Deus que o ser humano pode adquirir o coração novo que muda, de fato, a vida.

Empenhemo-nos todos na conversão pessoal e comunitária, apoiados pela oração, neste ano da oração e pelas boas práticas quaresmais.

 

*Dom Gilson é carioca, nascido no Méier e criado em Mendes no sul fluminense. Fez parte do clero de Petrópolis, estudou em Roma e foi bispo auxiliar de Salvador (BA). Nomeado pelo Papa Francisco em 27 de junho de 2018, tornou-se o 6º bispo da Diocese de Nova Iguaçu. Em 2018, durante a 57ª Assembleia Geral da CNBB, foi eleito pelos bispos do Rio de Janeiro como Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.